quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Versos só galegos?

Vamos colher umha poesia galega publicada numha discussom no portal de Vieiros.

Fálame nesa fala melosiña
que celestiales armonías ten;
fálame na linguaxe da terriña
se é que me queres ben.
Fálame nesa fala pracenteira
que cantos goces expresarnos quer,
é mais leda que os tonos da muiñeira
é mais doce que a mel.
Arrólame cos ecos desa fala
que tan ben fai sorrir como chorar,
múseca que os ouvídos nos regala
das xentes doutro chan.
Fálame na lenguaxe dos galegos
se me queres facer moito sentir,
na fala que hastra nos lábeos de labregos
non sei que ten para mín.
Arrólame co ritmo regalado,
coa sonora infinita vibración
do falar polas fadas inventado
para meigar corazós.
Xa de neno, esa fala melosiña,
o meu feitizo, a miña groria foi;
fálame na lenguaxe da terriña
se que me tes amor.

LAMAS CARVAJAL

E vamos fazer o experimento de escrevé-la, quase tal qual, em ortografia reintegrada:

Fala-me nessa fala melosinha
que celestiais harmonias tem;
fala-me na linguage da terrinha
se é que me queres bem.
Fala-me nessa fala prazenteira
que cantos gozos expresar-nos quer,
é mais leda que os tonos da moinheira
é mais doce que o mel.
Arrola-me c'os ecos dessa fala
que tam bem fai sorrir como chorar,
música que os ouvídos nos regala
das gentes doutro cham.
Fala-me na linguage dos galegos
se me queres fazer moito sentir,
na fala que até nos lábios de labregos
non sei que tem para mim.
Arrola-me c'o ritmo regalado,
co'a sonora infinita vibraciom
do falar polas fadas inventado
para meigar coraçós.
Já de neno, essa fala melosinha,
o meu feitiço, a minha glória foi;
fala-me na linguage da terrinha
se é que me tes amor.

O texto que acabo de transcrever pode-se ler e pronunciar exatamente igual a como o autor escreveu. Só corrigim alguns castelanismos flagrantes: hastra, celestiales, goces, a mel e lenguaxe (por até, celestiais, gozos, o mel e linguage(m)). O resto das correções som variações de pormenor (múseca, muiñeira, grória, lábeos por música, moinheira, glória, lábios), variações, vacilações ou alternâncias que se produzem na fala. No último verso introduzo um "é" que cuido que esqueceu o autor ou o transcritor. De qualquer maneira, é induvitável que se trata claramente do mesmo que o poeta escreveu.

Eis a versom num galego reintegrado normalizado (nom em português padrom)

Fala-me nessa fala melosinha
que celestiais harmonias tem;
fala-me na linguagem da terrinha
se é que me queres bem.
Fala-me nessa fala prazenteira
que quantos gozos expresar-nos quer,
é maís leda que os tonos da moinheira
é maís doce que o mel.
Arrola-me com os ecos dessa fala
que tam bem fai sorrir como chorar,
música que os ouvídos nos regala
das gentes doutro chão.
Fala-me na linguagem dos galegos
se me queres fazer muito sentir,
na fala que até nos lábios de labregos
non sei que tem para mim.
Arrola-me com o ritmo regalado,
com a sonora infinita vibraçom
do falar polas fadas inventado
para meigar corações.
Já de neno, essa fala melosinha,
o meu feitiço, a minha glória foi;
fala-me na linguagem da terrinha
se é que me tes amor.

As diferências com a transcriçom anterior som mínimas. Vamos ve-las.

  • Linguagem por linguage. As duas formas existem na fala (virgem/virge, passagem/passage) e som legítimas em galego. Na realizaçom oral pode-se escolher a que se prefira, mas nada impede usar a que coincide com o resto da áreea galego-lusófona. De feito, é mais conveniente refletir na escrita algo que se "perde ou nom" no oral (o fonema nasal final, representado por -m) que escrever algo onde nom apareça algo que se se pode dar na realizaçom oral (o que passaria com linguage, virge...)
  • Quantos por cantos. A pronúncia kwántos é legítima e esta extendida por muitas áreas do nosso idioma em Galiza. Preferível na escrita por coincidencia com o português e por poder representar ambas possibilidades de pronúncia: kwántos e kántos. O que nom ocorre com cantos.
  • "Com os" por "cos". O mesmo razomanento. Na fala é perfeitamente legítimo dizer c'os. Na escrita é preferível a forma plena, que pode nom reduzirse na cadeia oral: "Veu com... o rapaz esse que nom me lembro de como se chama". Em português é freqüente que fique também reduzido oralmente a /kõs/. Em todo caso, em linguagem poética, poderia admitir-se polo tema do cómputo de sílabas.
  • Chão por cham (chan). Escrever chão permete as diferentes realizações na nossa fala: cham, chau, chao, e mesmo chão com a nasalidade dos Ancares. Cham, nom, nom representaria a "forma plena" e diverge desnecessariamente do português.
  • Muito por moito. Ambas formas som legítimas e extensamente usadas em galego. Por que nom escolher muito por coincidência com o português, sendo perfeitamente galega? Nada o deveria impedir.
  • Vibraçom. Com a cedilha topamos, amiguinhos. Queira-se ou nom, a terminaçom em -çom (na grafia habitual -zón) é a patrimonial e auténtica do galego. Por isso conservou-se na fala numhas poucas vozes, como bençom (e no bención). Rosalia, cuja base era o galgo oral da zona de Padrom, escrevia devosón, embarcasón, adorasón, emigrazón, canzón, recordazón, desesperazón, traizón, tentazón...
  • Corações. O dito para chão (e mão e irmão) avonda: corações permite as diferentes realizações legítimas em galego: korazóns (o til de nasalidade enriba do o é marca da presência dum fonema nasal, como o n); korazós, korazóis (no galego oriental) e mesmo korazõis, no galego ancarês, igual que em português.
  • Sobre o uso de ç, -ss-, g (+e/+i) ou j, nom lhe vou dar muitas voltas. O seu uso está tam justificado em galego, tendo em conta só o galego, como que haja a diferência b/v que nom reflite nada na fala. Tampouco é certo de todo isso, porque na Baixa Límia e algum outro ponto sim que existe na fala a diferença surda/sonora entre o x e a j/g. É ali falam galego, nonsi? Se a isso somamos a etimologia e a coincidência com o português, fica perfeitamente justificado.
Este é o galego que muitos pensamos deveria ser o correto. Respeitoso consigo mesmo e identificado com o português, mas mantendo as nossas e legítimas peculiaridades. Evidentemente o poema segue a ser o mesmo e segue a estar na mesma língua. Vamos ver como ficaria o poema em português padrom:

Fala-me nessa fala melosinha
que celestiais harmonias tem;
fala-me na linguagem da terrinha
se é que me queres bem.
Fala-me nessa fala prazenteira
que quantos gozos expresar-nos quer,
é mais alegre que os tonos da moinheira
é mais doce que o mel.
Arrola-me com os ecos dessa fala
que tam bem faz sorrir como chorar,
música que os ouvidos nos regala
das gentes doutro chão.
Fala-me na linguagem dos galegos
se me queres fazer muito sentir,
na fala que até nos lábios de labregos
não sei que tem para mim.
Arrola-me com o ritmo regalado,
com a sonora infinita vibração
do falar pelas fadas inventado
para enfeitiçar corações.
Já de menino, essa fala melosinha,
o meu feitiço, a minha glória foi;
fala-me na linguagem da terrinha
se é que me tens amor.

O primeiro que cumpre destacar e que é evidente é que O POEMA SEGUE A SER O MESMO E SEGUE A ESTAR NA MESMA LÍNGUA, do mesmo jeito que o que levo escrito neste parágrafo é ABSOLUTAMENTE idéntico em galego ou português.

Há, porém, algumhas pequenas e mínimas diferenças:
  • Não e vibração por nom e vibraçom. As últimas formas, as galegas, também estám presentes noutras partes da "Lusofonia", como no norte de Portugal e mesmo em Cabo Verde. Neste discrepo com os integristas do "padrão" português. Em galego nom se tem que abolir a diferênça entre -ão (chão), -om (coraçom) e -am (capitám). É umha diferença legítima e uniformizarmo-la em -ão nom reflete as diversas realizações e seria o primeiro passo para considerar que a pronúncia correta em galego seria kansáu e mesmo kansãu, como já ocorreu no norte de Portugal. Isto é sumamente importante e por aqui é por onde penso que naufragam iniciativas como a Academia Galega da Língua "Portuguesa". Pode-se recuperar, descastelhanizar, polir o galego e o que queirades, pero nom desgaleguizá-lo. As formas galegas genuínas nom som variantes vulgares, cuidadinho.
  • Alegre por leda. Simplesmente ao sul do Minho nom é comum a palavra 'ledo', legitima (ainda que pouco usada) em Galiza e emprega-se "alegre", palavra também perfeitamente galega.
  • Faz por fai. Variantes verbais legítimas. No Brasil mesmo pronunciam "fais". O mesmo para tens/tes.
  • Pelas por polas. Outra parelha de variantes legítimas. Esta vez o arcaismo é a forma portuguesa. Também existe "polas" em Portugal.
  • Enfeitiçar por meigar. Em Portugal nom se conhece, que eu saiba, a forma meigar, que tampouco costuma aparecer nos dicionários galegos. Um português, porém, entenderia-o perfeitamente, porque para eles, meiga tem o matiz de "amável, encantadora". Enfeitiçar é, perfeitamente galega, por certo.
  • Menino por neno. Em Portugal nom conhecem neno. Em Galiza conhecemos neno, meninho (também menino), quando ali dim criança, menino. Som pequenas diferenças lexicais que se dam no ámbito de todas as línguas.
Creio que fica demonstrado que:
  1. O galego legítimo e o português som a mesma língua
  2. Nom fai falta desgaleguizar o galego para que seja a mesma língua que o português. Já o é dum jeito natural e evidente.
  3. Esta língua comum tem que se chamar galego-português. Galega porque é propria de Galiza. Porque naceu e vive em Galiza. Portuguesa porque com esse nome medrou e se fijo internacional.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do artigo. O fundo do argumentário cuido que coincide bastante com as minhas conclusões neste outro artigo. Com efeito, "mutatis mudantis", uma simples transliteração obra milagres :D

Anónimo disse...

Paréceme que ten vostede moi boas ideas acerca da reintegraçom do galego-portugués. Acho que debería escribir mais a miúdo.

Anónimo disse...

Concordo com o anónimo, nom seja preguiceiro e escreva algo mais frequentemente, que eu hei estar encantado de o ler ;)